Trabalhar com Licenciamento é Trabalhar com “Degradação”
Degradação significa a “alteração adversa da qualidade ambiental”, segundo a Política Nacional de Meio Ambiente – PNMA.
Também conforme essa lei, quem causa degradação é o poluidor. E poluidor é definido como quem lança matéria ou energia na natureza em desacordo com as normas permitidas e/ou sem licença ambiental.
Então toda degradação ocorre quando não existe uma licença ou quando o cidadão não respeitou o disposto nela. Quando a alteração do meio ambiente é feita através de uma licença ambiental, não ocorre degradação e não existe poluidor.
Isso de acordo com a legislação. Mas no mundo real um desmatamento, por exemplo, mesmo com autorização do órgão ambiental, é uma forma de degradação da natureza. Pois milhares de indivíduos de milhares de espécies diferentes serão mortos. Aquele ambiente será drasticamente modificado. É o preço do desenvolvimento.
Então, achar que o analista ambiental é a pessoa que vai proteger tudo e todos, de toda e qualquer alteração do meio ambiente, é um engano.
Os analistas ambientais existem justamente para autorizar e atestar que obras ou atividades, alterem o meio ambiente, porém dentro de limites preestabelecidos pelo Estado (normas e padrões).
Por exemplo, caso a norma permita o lançamento de efluentes com até 20 mg/L de óleos minerais, não será o analista ambiental que irá proibir esse lançamento. Mas cabe sim ao analista/licenciador aplicar a norma mais rígida. Nesse exemplo a Resolução CONAMA nº 430/2011, válida para todo o país, limita o lançamento de efluentes tratados com até 20 mg/L de óleos minerais. Mas a Resolução CONSEMA nº 355/2017, válida em todo o Rio Grande do Sul, é mais rígida, permitindo um efluente com no máximo 10 mg/L.
Esse foi apenas um exemplo, o mesmo raciocínio serve para todos os assuntos, todas as normas ambientais: sempre a mais rígida é aquela que deve ser utilizada.
O trabalho do analista deve ser técnico. Emitir o parecer e pronto.
Já a emissão da licença deve ser feita por um superior, geralmente o prefeito, diretor técnico ou o secretário. Caso a obra ou atividade (ou os planos para a futura implantação), estejam fora das normas, o parecer técnico será desfavorável para a emissão da licença. Nesse caso é evidente que a emissão da licença é crime, conforme o artigo 67 da Lei de Crimes Ambientais.
Porém, mesmo que a atividade ou obra esteja dentro das normas, com parecer favorável dos analistas ambientais, fica a cargo do chefe do executivo a emissão ou não daquela licença. Pois a emissão da licença é um ato de conveniência do poder público, com uma conotação mais política. Mesmo estando tudo dentro das normas, o poder público pode não querer aquela atividade naquele local, seja por pressão popular, ou por outro motivo.
Assim, o trabalho técnico fica à cargo do Analista Ambiental. Que deve se ater às normas técnicas. A emissão da licença é de responsabilidade do cargo político (diretor, secretário, prefeito, governador, etc), que é, aliás, a pessoa que primeiro vai responder pela emissão de qualquer licença. Inclusive é a pessoa que vai lidar com a sociedade caso o licenciamento causar comoção popular. O que não é incomum de acontecer.
Essa é uma reflexão que eu acho muito importante, pois muitas vezes as pessoas acreditam que o analista/licenciador deve proteger tudo, de qualquer intervenção. Isso não é verdade. O trabalho é essencial para proteger o meio ambiente, para evitar poluição, para melhorar a vida de todos, porém dentro das normas que temos hoje em dia. Não podemos inventar normas, fraudar normas, deixar de exigir o cumprimento delas… O licenciador é como se fosse o guardião das normas, devendo exigir sua aplicação, da maneira correta, que por sua vez são feitas e aprovadas nos Conselhos de Meio Ambiente e outros órgãos.
O Brasil já seria muito melhor se as normas que existem fossem corretamente aplicadas. Lógico que precisamos aperfeiçoa-las constantemente, porém o que eu sempre critico aqui é a falta de aplicação das normas ambientais mais básicas, principalmente nos municípios.
Hoje em dia com toda a tecnologia de informações que temos, o técnico é o último que deve alegar desconhecimento sobre qualquer norma que direciona o seu trabalho. Não saber é normal e compreensível, mas não se esforçar para saber é outra história.
A tragédia das enchentes: a culpa nem sempre é da chuva!
A temporada de enchentes no Brasil chegou. Normalmente chega junto com o verão, época em que ocorre o maior volume de chuvas, e se agrava de Dezembro a Fevereiro.
Sempre é a mesma história: chove forte, os rios sobem, tudo que está próximo alaga, as pessoas perdem tudo, algumas morrem (55 até o momento que estou escrevendo!), quem fica precisa recomeçar a vida, limpar, reconstruir… até a próxima chuva forte, então o ciclo recomeça. É muito triste!
Apesar dos gigantescos prejuízos econômicos e sociais, nenhuma real solução é apresentada pelo poder público. E muitas vezes nem ao menos o real motivo das enchentes são demonstrados. Geralmente falam apenas das chuvas.
Mas a culpa não é só da chuva! Chuvas fortes existem no planeta Terra há mais de 4 bilhões de anos. Chuva forte é normal no nosso planeta. O que seria estranho é se de repente os temporais deixassem de existir. A natureza está perfeitamente adaptada à elas. Nós é que não soubemos construir cidades adaptadas, resilientes.
De tempos em tempos uma chuva torrencial anormal vai ocorrer. Todo fenômeno natural extremo possui um Tempo de Recorrência, também chamado de Tempo de Retorno, que é basicamente a probabilidade desse fenômeno (como uma cheia) ocorrer de novo. Não é que talvez ocorra uma cheia em algum um rio, mas sim quando isso vai ocorrer. E isso pode ser calculado matematicamente.
E para piorar, esses fenômenos extremos estão cada vez mais comuns, pois as emissões de gases de efeito estufa estão aquecendo o planeta, disponibilizando mais energia para temporais cada vez mais destrutivos.
Assim, todo recurso hídrico terá uma cheia fora do comum em algum momento, e esse fenômeno vai se repetir (cada vez mais rápido); é apenas questão de tempo.
Por isso todo rio ou lago possui um leito normal, onde ele permanece ou costuma correr, e um leito mais amplo, chamado de complementar, que ele ocupa nos eventos de cheia.
A humanidade já sabe o básico de hidrologia há milênios, e entende que o fenômeno de cheia é normal.
O que não é normal é construir uma cidade inteira ao redor de um rio, ocupando seu leito principal, seu leito complementar, espremendo o rio e ocupando IRREGULARMENTE suas margens.
Pior ainda é a canalização de um rio, retificando e, muitas vezes, impermeabilizando seu leito e talude.
Mais insensato ainda é o entubamento de um rio, enclausurando-o no subterrâneo e construindo a cidade por cima. É óbvio que cedo ou tarde ele vai transbordar e alagar tudo.
O pior não é o erro do passado. Eram outros tempos. O que não dá para entender são os erros do presente. Muitas pessoas continuarem insistindo no entubamento e canalização dos recursos hídricos, muitas vezes para vender ou construir sem respeitar a metragem de APPs. Falei sobre isso nesse texto aqui.
Antes de tudo é preciso prevenir a ocupação dos leitos dos rios, criar praças e parques onde os rios e as pessoas têm passagem livre.
Já trato desses assuntos aqui no site faz tempo, só clicar aqui para ver as postagens.
As enchentes que causam danos às pessoas basicamente ocorrem por três motivos: entubamento/canalização, construções em Áreas de Preservação Permanente (APPs) e impermeabilização do solo. As três causas são consequência da visão turva do poder público. Quem faz a legislação, as políticas públicas sobre recursos hídricos e uso e ocupação do solo e tem o dever e poder de fiscalizar e impedir a ocupação e construções em APPs e outras áreas sujeitas à alagamento, é o poder público.
Eu gosto de fazer um exercício toda vez que passa uma reportagem sobre enchentes. Eu vou no Google Earth e busco a cidade ou bairro que ocorreu a enchente e vejo se tem algum rio passando por perto. Quase sempre a cidade foi construída irregularmente ao redor de algum rio, ou esse rio foi canalizado ou entubado. Como disse, entendo os erros do passado, mas com todo o conhecimento e maus exemplos que temos hoje, fica cada vez mais insustentável continuar permitindo atos que vão continuar ou piorar os problemas de enchentes.
Como ensina o grande Aziz Nacib Ab’Sáber, um dos maiores geógrafos brasileiros, todo rio é dinâmico, precisa de espaço para a sua movimentação natural; nas cheias deposita sedimentos formando os barrancos, erode outros pontos das encostas modificando seu trajeto, sobe, abaixa, etc.
Se o rio não tiver espaço para existir, uma hora ou outra ele retomará o espaço que lhe foi tomado. Cedo ou tarde os rios sairão de suas tubulações e as pessoas sofrerão com isso. Os milhares de rios entubados em São Paulo, por exemplo, são as maiores causas de enchentes por lá. Como já disse, entubar um rio é igual a varrer o lixo para debaixo do tapete, porque é uma solução aparente, temporária, o problema logo vai aparecer e se agravar.
No momento em que escrevo, partes de Belo Horizonte foram literalmente devastadas por enchentes, com 55 mortes até o momento em todo o Estado de Minas Gerais.
Após essas tragédias a sociedade vai reconstruir o que a chuva destruiu e, impassível, aguardar até a próxima trajédia.
O poder público deveria começar um movimento de discussão para uma solução de longo prazo, que infelizmente tem apenas um caminho: renaturalizar os rios, como defendido nesse livro: afastar as construções do leito dos rios, recuperar as Áreas de Preservação Permanente e tornar a cidade mais permeável. Obviamente ninguém vai fazer isso por conta própria, pois ninguém quer perder sua única casa, seu patrimônio. Deve ser uma política justa!
Para novas áreas a serem urbanizadas é necessário fiscalização e um bom licenciamento ambiental, cuidadoso, a fim de se evitar a excessiva impermeabilização do solo, a ocupação das Áreas de Preservação Permanente e do leito de cheia dos rios, as chamadas cotas de inundação. Prevenir sempre é muito mais barato.
Mas renaturalizar uma área já urbanizada também é mais barato a longo prazo. Todo ano bilhões de reais são perdidos em consequência das cheias; só em São Paulo o prejuízo é de mais de R$ 700 milhões por ano.
Diversos países estão renaturalizando seus rios pois calcularam e perceberam que a longo prazo é muito mais barato do que manter o rio entubado ou canalizado e ficar lidando com as enchentes e mortes recorrentes.
A forma de evitar mais problemas é muito simples: seguir a legislação ambiental e de ocupação do solo. A lei (até o momento) é muito boa, prevê todos esses casos.
No momento que escrevo esse texto a cidade de Iconha, no Espirito Santo, também foi impiedosamente atingida por uma enchente que devastou a vida de milhares de pessoas. De novo, vou no Google Earth e vejo essa cena:
E nem preciso dizer que quem mais sofre são os mais pobres, jogados para as barrancas e periferias e valas pela falta de uma política de inclusão, de distribuição de renda, de oportunidades, de educação de qualidade.
Curso Online de Extensão em Licenciamento Ambiental – UPF
Depois de seis anos da criação desse site e de quase dez anos trabalhando na área de licenciamento ambiental, e após uma especialização e um mestrado, que ocuparam o meu tempo junto com o trabalho, resolvi que era hora de passar o conhecimento adiante, como sempre fiz aqui no site.
Mas dessa vez através de um curso, ministrado por mim e uma colega, a Maikieli Zulpo, consultora ambiental e atualmente professora da CESURG (Centro de Ensino Superior Riograndense).
O curso de extensão, Módulo I, será online e oferecido pela Universidade de Passo Fundo. As aulas serão nos dias 07, 14 e 21 de novembro, sempre nas manhãs de sábado. O investimento é de apenas R$ 100,00. INSCRIÇÕES NESSE LINK: https://secure.upf.br/eventos/eventos/676
Como os leitores do meu site devem ter percebido, sou muito prático. No licenciamento ambiental, um conhecimento que não serve para aplicar na vida real não adianta de nada. Por isso ministro os cursos ensinando através de exemplos, aplicando a legislação conforme o caso, e explicando a lógica por trás de cada regra. Ensino, também, como encaminhar um licenciamento ambiental desde o contato com o interessado, o preenchimento dos formulários, a elaboração dos estudos, até o protocolo no órgão ambiental. De forma simples e prática. Também falo sobre como o Analista Ambiental analisa as solicitações e o que não se deve fazer de jeito nenhum.
Prezo muito pela ética, eficiência e celeridade, como vocês podem perceber em meus textos. Então, acho que muitos de vocês podem se interessar e aprender muito com o curso. Esse primeiro módulo será mais básico, talves mais interessante para os iniciantes. Porém o segundo, que será lançado em breve, terá como tema a elaboração de PRAD, RFO, PGRS e outros, um pouco mais avançado. Porém seria interessante fazer o primeiro módulo para seguir o fio da meada.
Obs.: As opiniões que posso emitir no curso são de minha responsabilidade e não representam de qualquer forma o posicionamento e a política institucional da Fepam.
Abraço a todos.